Mas não é a ligação pessoal entre eles o que me chamou a atenção. O fato que mais me interessou foi o de Michel - o ferrenho judeu seguidor da Torá e defensor da volta “pacífica” do povo de Deus à terra prometida - mostrar-se, no decorrer das cartas, um homem assaz oportunista e grande selecionador de citações bíblicas a fim de obter êxito em suas transações financeiras e relações interpessoais.
Em contrapartida, Alex Guideon, um perspicaz estudioso do fanatismo religioso, percebe o modo como o senhor Sommo utiliza a Palavra Divina em benefício de seu crescimento profissional. Além de conseguir passar seus últimos dias ao lado da ex-esposa e do filho há muito rejeitado (causa, que desconfio ser a principal, da armadilha da contradição para Michel), Alex relata em pequenas fichas observações que continuam a despertar em mim grandes altercações internas. Vejamo-nas:
“186. Na medida em que perdeu a auto-estima, sua razão de ser, o verdadeiro significado da vida, simultaneamente eleva-se, engrandece-se, glorifica-se e santifica-se a justificação do seu credo, sua nação, sua raça, do ideal que abraçou ou do movimento ao qual jurou fidelidade.
“186a. Assimilar, portanto, o Eu dentro do Nós. Restringir-se a uma célula cega dentro de um organismo gigantesco, intemporal, onipotente e sublime. Fundir-se até o auto-esquecimento, até o limite extremo, à nação, ao movimento, à raça, como uma gota no oceano da fé. Daí os diversos tipos de uniformes.
“187. Um homem se ocupa com suas próprias questões enquanto tem interesses e enquanto tem privacidade. Na ausência destes, pelo medo do vazio da vida, ele se volta febrilmente para os assuntos dos outros. Para endireitá-los. Para castigá-los.Para esclarecer cada idiota e esmagar todo depravado.”
In: OZ, Amós. A caixa preta. P. 153. Companhia das Letras, 2007.
Para que o texto não se torne enfadonho e, também, amadurecer mais ainda as idéias, retornarei em breve com a continuação deste.
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