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sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Da informação jornalística como um direito do cidadão


No ano 2000, o website do Observatório da Imprensa completou quatro anos de existência. Para comemorar a data a entidade encaminhou a alguns jornalistas a seguinte questão:

A informação é um direito do cidadão e a imprensa, embora negócio privado, é um serviço público (sic). A sociedade brasileira tem demonstrado maior ou menor interesse na fiscalização de sua imprensa? Por que razão?

A resposta mais interessante, na minha opinião, foi a do boliviano Hugo Estenssoro, que reproduzo agora:

"Acho errado considerar a informação jornalística um 'direito do cidadão'. Se isso fosse verdade, o acesso à informação jornalística deveria ser universal e gratuito, isto é, uma das funções do Estado, que teria a obrigação de criar e manter jornais e estações de rádio e televisão, da mesma maneira que se ocupa, por exemplo, da segurança pública. Quando isso acontece (e tem acontecido) a primeira conseqüência é que o cidadão deixa de ser informado sobre aquilo que realmente interessa. Só aqueles com esperanças de um emprego burocrático, mole e vitalício, acreditam que o Estado é e deve ser o principal fornecedor de informação. Ou então os donos de meios de comunicação que vêem na dependência do Estado uma maneira fácil e impune de enriquecer-se às custas do contribuinte.

Informação é uma das formas do poder. E o direito à informação é uma conquista, uma vitória do cidadão sobre os poderes públicos e privados. Saber que uma atriz famosa teve um filho ou que um esportista célebre bateu no garçom de um restaurante também é informação, mas ela nos interessa apenas como indivíduos mais ou menos bisbilhoteiros. Como cidadãos o que nos interessa é saber se os nossos governantes são incompetentes ou corruptos, ou se os poderosos deste mundo usam meios ilegais ou abusivos. Ora, nem os governantes nem os poderosos vão nos facilitar essa informação, que pode ser vital para nosso bem-estar e mesmo para a nossa sobrevivência. Nós é que precisamos arrancar-lhes essas preciosas informações. Mas essa operação, bem examinada, é mais um dever (para conosco) do que um direito. Tudo o que podemos exigir do Estado é a liberdade para exercer esse dever.

Daí a contradição interna do jornalismo numa sociedade democrática, onde a informação é fornecida não pelo Estado mas por empresas privadas. Estas, por definição, são de caráter lucrativo. Mesmo aquelas 'sem fins lucrativos'. De outra maneira, quem paga os custos, incluídos os salários dos jornalistas? Existem casos extraordinários, como Karl Kraus na Viena de início do século, ou meu amigo e mestre I.F. Stone, na Washington da Guerra Fria, que conseguem criar publicações privadas que chegam a ter um valor crucial.

Ambos os casos demonstram a verdade do aforismo de A.J. Liebling: só tem liberdade de imprensa quem é dono de uma. Mas as circunstâncias de ambos eram especiais. Embora Die Fackel tenha conseguido autofinanciar-se desde o segundo número, o primeiro não teria sido possível sem a fortuna do pai de Kraus, e a sua independência ficou assegurada quando Kraus herdou a fortuna familiar. A façanha de Stone foi maior, pois conseguiu uma base de assinantes para a sua I.F. Stone’s Newsletter graças à importância vital das informações que fornecia, inencontráveis em nenhuma outra publicação. Porém, além da excepcionalidade pessoal de Kraus e Stone, há o fato de que as suas eram publicações de elite. No instante em que vinculamos as palavras 'informação' e 'cidadão' começamos a falar de informação de massa.

Os custos (sem nunca esquecer os salários dos jornalistas) dos meios de comunicação de massa são enormes. Não estou muito seguro que novas tecnologias, como a internet, vão mudar o panorama. As empresas 'ponto.com' têm como principal caraterística, até agora, a de perder somas colossais de dinheiro. A maior parte do enorme capital que recebem de especuladores e ingênuos é usado na promoção do site, o que é a única maneira de torná-lo um veículo de massas. Ainda precisamos ver o que acontecerá quando o conseguirem. Ademais, num mercado quase ilimitado e de acesso barato (e supondo que continuará assim), o fator decisivo será a qualidade da informação, isto é, a qualidade dos jornalistas. Os salários desmesurados que estão atraindo os bons jornalistas à internet poderiam chegar a ser, junto com as gigantescas verbas promocionais, o equivalente dos atuais custos de produção da mídia tradicional. Em outras palavras, se ficar o bicho come etc.

A partir dessas premisas – a necessidade das empresas privadas na difusão de informação, e os altos custos da comunicação de massa – fica em evidência a verdade de que cada povo tem a imprensa que merece. Acreditar que a informação é um 'serviço público' a que se tem 'direito' significa aceitar que os políticos e seus apaniguados decidam quais as informações a que devemos ter acesso. Ao mesmo tempo, pedir às empresas de comunicações privadas que realizem um serviço público é, além de tentar tirar água das pedras, abusivo. Por que não pedir 'serviços públicos' a pedreiros, taxistas, arquitetos ou mesmo – Deus nos perdoe – a jornalistas? Já foi feito, e conhecemos as conseqüências. A realidade é que a imprensa, ou a indústria da informação, reflete como um espelho a sociedade que serve. Isto é, a imprensa só é boa quando o público assim o exige. Por exemplo, por que a imprensa americana (considerando seus fabulosos recursos econômicos e humanos) é tão ruim? Porque seu público, o cidadão americano, se sente política e economicamente seguro. Em épocas de crise exige mais. Durante a guerra do Vietnã, quando sentiu que seu governo o estava enganando, exigiu mais e terminou por obtê-lo.

É claro que nem todos os países gozam da liberdade e prosperidade dos Estados Unidos. Países como o Brasil ainda vêem, e com razão, que o Estado nem sempre está a seu serviço, e que os poderosos dispõem de privilégios injustos. Daí que muitos exijam, ou tentem exigir, que a mídia seja instrumento de suas reivindicações. A grande imprensa tradicional, jornais e revistas, tem refletido razoavelmente (na minha opinião) essas exigências, apesar de seus evidentes defeitos – que vão da ignorância à venalidade, sem nunca deixar de passar pela estupidez. Mas seu alcance é pequeno. Não tem circulação nacional, é cara, e tem poucos efeitos num país semi-analfabeto. O brasileiro comum recebe suas informações do rádio e da televisão. Estes dependem do Estado na medida em que gozam de privilégios (as freqüências) distribuídos pelo Estado. Isso significa que em épocas de crise escolhem servir o Estado – ou aos donos provisórios do Estado – e não o público. Pessoalmente acredito que nem sequer as novas tecnologias que diminuem os custos e multiplicam as freqüências disponíveis mudarão essa situação, como indicam os precedentes dos Estados Unidos e Europa.

Minhas razões são históricas. Historicamente, uma imprensa ou indústria da informação livre e atuante é o resultado – e não o veículo – de um Estado de Direito numa sociedade democrática. Sem exceção alguma: é só depois da chegada do liberalismo burguês e capitalista que surge a imprensa como instrumento da sociedade civil (no sentido original do termo: o cidadão contra os poderes, e não como grupos de pressão de interesses particularistas). O problema do Brasil é que é uma sociedade em transição, em que elementos arcaicos subsistem e se justapõem a elementos de uma modernidade que não termina de chegar, e que muitos – por boas e más razões – prefeririam que não chegasse nunca. Assim, existem veículos de informação altamente sofisticados que não contam com um público de massa que os justifiquem. Daí que, forçosamente, terminem sendo 'elitistas'. No melhor dos casos. Porque a alternativa costuma ser mal-gastar seus recursos num populismo abjeto. Aclaro para os patrioteiros que o Brasil está em excelente companhia: acontece a mesma coisa em países com uma história tão gloriosa como Itália ou Espanha. Paciência. E a trabalhar."

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