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domingo, 24 de fevereiro de 2008

A síndrome do movimento estudantil

Recebi hoje de manhã um e-mail de uma colega de curso pedindo ajuda na divulgação de uma nota enviada à PUC-SP pela Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura, na qual a entidade se posiciona, com ou sem a devida propriedade, a respeito do processo encaminhado pela direção da PUC-SP aos oito estudantes supostamente responsáveis pela invasão da sede da reitoria da universidade ocorrida em novembro de 2007. Como não sou de recusar pedidos gentis e embora não concorde nada nada com o conteúdo da carta, acatarei solicitamente ao pedido de minha caríssima colega, mas com alguns pareceres, digamos.

Eis a nota:

Contra a repressão e criminalização dos estudantes da PUC-SP

Nós, movimentos sociais e organizações da sociedade civil que integram a Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura, vimos através desta manifestar nosso repúdio à atitude da direção da PUC-SP contra uma pequena parcela dos cerca de 200 estudantes que ocuparam o prédio da reitoria em novembro passado.

A ação dos alunos resultou na instalação de um processo sindicante, concluído em dezembro, e foi base para a abertura de um processo administrativo contra nove estudantes, que pode acarretar inclusive a expulsão dos processados. Além disso, três dos nove incluídos sofrem um processo cível relacionado ao ato de reintegração de posse e receberam intimações para um depoimento à polícia.

Antes mesmo da conclusão do processo administrativo, no entanto, os estudantes citados já sofreram punições por parte da reitoria. Os formandos não poderão colar grau, os inadimplentes tiveram suas negociações vetadas e os bolsistas estão ameaçados de perder o auxílio da faculdade. Além disso, a comissão responsável pelo processo indeferiu o pedido de nova data para a oitiva dos alunos, desconsiderando o depoimento dos acusados.

O motivo da ação dos estudantes no ano passado – o posicionamento contrário ao Redesenho Institucional da universidade – é legítimo e não pode ser tratado de forma criminosa. O direito à participação ampla e democrática de toda a comunidade universitária em um processo que prevê mudanças profundas na instituição é o mínimo que se espera de uma universidade que baseia seu funcionamento em princípios democráticos. Da mesma forma, a liberdade de expressão e de manifestação daqueles que são contrários a determinada proposta é um direito fundamental que não lhes pode ser negado.

Neste sentido, indignamo-nos com a atitude desta direção que, além de ter, no ano passado, requisitado força policial para solucionar um problema político, demonstra agora pressa em punir os estudantes e utiliza mecanismos condenáveis para intimidar e impedir sua manifestação.

Esperamos que a democracia e a garantia dos direitos humanos, que durante tanto tempo foram bandeiras não apenas defendidas mas praticadas por esta universidade, passem a nortear não apenas o discurso mas também as ações da Reitoria da PUC-SP.


São Paulo, 22 de fevereiro de 2008.

Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura
Abraço São Paulo • Aliança Internacional de Jornalistas - Brasil • Artigo 19 • Associação Cantareira • Ativismos Midiático • Centro Acadêmico Benevides Paixão - PUC/SP • Centro Acadêmico Vladmir Herzog - Cásper Líbero • Centro Acadêmico Florestan Fernandes - Escola de Sociologia e Política • Camará Comunicação e Educação Popular • Ciranda da Informação Independente • Cives • Conselho Regional de Psicologia • Departamento de Jornalismo da PUC • Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social - Enecos • GENS Serviços Educacionais • Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social • Instituto Paulo Freire • Instituto Pensarte • Jamac – Jardim Míriam Arte Clube • Jornal Brasil de Fato • Jornal Contraponto • Marcha Mundial das Mulheres • Oficina da Praxis • Projeto Cala-boca Já Morreu • Movimento Palestina para Tod@s • Projeto Revista Viração.


O verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor
Che Guevara

Enquanto houver injustiça e miséria, todo homem deve ser um revoltado
Albert Camus


Longe de contestar o direito da "Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura" de se posicionar sobre o que bem entender, mas não entendo muito a relação que uma entidade que luta pela pitoresca democratização da Comunicação tem com assuntos administrativos da PUC. Sendo assim, é com o mesmo direito de fala que tem a entidade e no mesmo espírito democrático de comunicação que a internet nos oferece, que eu evoco ao direito de livre expressão para tecer alguns comentários a cerca do assunto.

Vamos começar, então, falando um pouco sobre legitimidade. Concordo que é legítimo posicionar-se contra qualquer atitude que uma instituição privada de ensino venha tomar, assim como é legítimo se posicionar contra qualquer coisa. Mas o que é tratado de “forma criminosa” não é o posicionamento contrário dos estudantes, como alega a nota, e sim o fato deles ocuparem as instalações da referida instituição, privando sua direção da utilização de seu espaço de trabalho. Portanto, assim como é, para eles, legítimo ocupar as dependências do setor administrativo da PUC, ou de qualquer outra universidade, é totalmente legítimo que a reitoria exija seu direito de reintegração de posse, acionando o aparelho de repressão legítimo do Estado que é legitimamente a polícia.

Um fato que a nota expõe muito obscuramente, inconscientemente ou não, é o motivo das manifestações dos estudantes. Este motivo seria o projeto de “Redesenho Institucional” da PUC, que visa superar os problemas financeiros pelos quais a instituição vem passando nos últimos anos. Ignoro as fontes de financiamento da PUC. Mas se elas são majoritariamente oriundas do pagamento das mensalidades, nada mais racional do que tomar medidas como a de ajustar a situação dos alunos inadimplentes, expulsando-os ou renegociando suas dívidas, fechar os curso deficitários, demitir servidores, cortar o número de bolsas e outras ações que melhorem sua situação financeira, para que ela possa sobreviver. Inclusive lançar mão de ações indiretas como a de processar e expulsar estudantes que desconfiguram a imagem da instituição.

É assim que funciona e que deve funcionar o sistema: ao mesmo tempo que as empresas adequam seus serviços para atender as necessidades e satisfazer o público consumidor, o consumidor tem que se adequar às regras da empresa que contratou. Outra: se você quiser obter os serviços de uma organização privada, você tem que pagar por ele. Empresas privadas não têm como sobreviver em regime deficitário, ao contrário das empresas públicas, que sanam os déficites com recursos remanejados de outras fontes. Nada mais óbvio.

Os professores contrários ao "redesenho institucional" da PUC fazem isso para defender seus postos de trabalho, é claro. E os estudantes, para defender suas bolsas e seu fictício direito de estudar sem pagar.

Vou concluir com uma visão bem grosseira da história, para clarear um pouco mais as coisas: todos aí não passam de um bando de comunistas aproveitadores. Todos, inclusive esse pessoal da "Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura", que repudia a atitude da direção a PUC por afinidade ideológica e por solidariedade aos tais estudantes.

Esses estudantes sofrem da atávica síndrome do movimento estudantil da ditadura, que hoje se tornou paranóia: sua existência só faz sentido, só são movimento estudantil, quando têm em vista o autorismo ditatorial praticado pelos detentores do "poder" que têm que, por obrigação, combater, já que, segundo sua visão pobre e deturpada, os detentores do "poder" visam eliminar a liberdade e a Democracia para se perpetuarem como classe dominante. Isso quando não estão pregando, de quebra, a superação do sistema capitalista.

Essa visão se alastrou por todas as universidades do país, públicas e privadas, e se manifesta em focos compostos por uma minoria chata e barulhenta, que acaba tendo seu discurso apelativo e sentimentalesco incorporado às representações da maioria, que o assimila como numa lavagem cerebral. É como uma doença, que deve urgentemente ser tratada.

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Esta entrevista com Rodrigo Tufão, um dos estudantes da PUC-SP processados pela reitoria, membro da Gestão Primavera de Praga do CACS (Centro Acadêmico de Ciências Sociais), publicada num site intitulado “Liga Estratégica Revolucionária – Quarta Internacional” mostra bem o caráter dos invasores “reprimidos” pela reitoria da PUC-SP: http://www.ler-qi.org/spip.php?article893.

Outro texto, esse publicado no site “Causa Operária Online”, também pode ser bastante esclarecedor: http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=1462

7 comentários:

Unknown disse...

Cara, parabens pelo texto... acho ele certissimo....
Mas gostaria de lembrar que em parte esse povo não tá errado em ser contra a privatização, justamente por que é foda que qualquer sistema de ensino dependa do mercado, já que isso devia ser um direito de todos(assim como a saude...)....
Mais o foda mesmo é ser contra tudo...

i`m bored disse...

Caro Francisco,
Concordo com o seu texto (em partes).
Antes um adendo, nem todo movimento estudantil sofre da tal síndrome, apesar de ser obrigado a concordar que a síndrome é hegemônica no pensamento vigente.

Creio que diversas pautas dos estudantes da PUC-SP sejam justas, talvez uma educação superior desenhada somente nos interesses de mercado não seja o único caminho.
Mas, é evidente que o Movimento da PUC-SP (creio também que lá como aqui, tais estudantes são uma minoria que se encastelam em CAs e DCEs e dizem representar todo mundo), possui muito interesses além do plano de Reestruturação proposto pela Reitoria, para isso basta ver a declaração de um estudante envolvido na ocupação: "Precisamos unificar a luta contra a repressão nacionalmente, fazendo a calourada do ano que vem um verdadeiro campo de guerra contra a burocracia universitária, para barrarmos as punições e dar impulso para expansão de um novo movimento estudantil, que seja ligado aos trabalhadores e consiga nessa aliança revolucionar a estrutura universitária brasileira,com aceso de toda população a um ensino publico de qualidade.".
Percebe-se facilmente nesta fala um discurso de paranóia, como se ainda vivêssemos na ditadura e o único caminho para os estudantes é se alinhar aos trabalhadores.
Fica difícil dialogar com tais setores, primeiro porque se dizem vanguarda mas são os primeiros a negar qualquer tentativa de mudança, e segundo porque se julgam os únicos virtuosos em um mundo de egoístas capitalistas.

Mas, mesmo assim acredito que a Reitoria deva garantir o direito destes estudantes se manifestarem, mas estes tem o dever de aceitar a derrota caso o Plado de Reestruturação seja aprovado.

Até...

Francisco Bezerra disse...

Há muitas coisas engraçadas nessa história toda, um delas você acabou mostrando, que é um estudante envolvido na invasão da reitoria da PUC estar lutando pelo "acesso de toda população a um ensino público de qualidade". Ele não teve esse acesso e resolveu pagar mil reais para se revoltar na PUC. Isso se ele não for um dos inadimplentes.

Caio Andrade disse...

Muito bom o texto, Chico. Vou expor melhor essa síndrome em um outro texto.

Mas quero fazer um comentário sobre os comentários.

Primeiro: Não há mal em uma instituição de ensino depender do mercado. Os “interesses do mercado” são determinados por um conjunto de demandas da própria sociedade. O aparente antagonismo de interesses é apenas mais uma das falácias inculcadas nas mentes universitárias.

Mas é até compreensível que os pentelhos do ME repitam isso, pois se interesses do mercado são os interesses da própria sociedade, então claramente não são os mesmo interesses dos nossos comunistóides de plantão. Eles querem é uma tal sociedade futura, uma ditadura do proletariado, ou sei lá que porra.

Segundo: Notem também que é o mercado que permite que a PUC exista, não é como se ela pudesse existir sem ele. Sem o mercado as opções seriam: (1) a PUC não existir, (2) a PUC ser mantida por dinheiro estatal e ser mais carga tributária nas costas de brasileiros que nunca pisarão ou verão seus filhos em uma universidade.

Por último: o ensino superior não devia ser um direito de todos, como alguns querem fazer parecer. Quando se diz isso pode até lhe parecer bonito, mas a consequência prática é que milhões de brasileiros são obrigados a dar parte do dinheiro de seu trabalho diário para pagar pelo direito ao ensino superior dos outros.

i`m bored disse...

Cara Caio,

Sua crença nas leis de mercado chegam a beirar a ingenuidade...
Nem os liberais acreditam tanto assim que o interesse do mercado é o interesse da própria sociedade...
Creia que carece de fundamentação e sobram exemplos que refutam sua idéia...
Exemplos: A sociedade carece de médicos generalistas, o mercado caminha para a formação de médicos especialistas...
A sociedade exige medicamentos a baixo custo e eficazes, o mercado lançou em 2006 2000 novos medicamentos, destes somente 6 eram inovações de interesse da sociedade...
A sociedade exige crescimento sustentável econômico e social, Nem sempre o mercado se interessa pelo crescimento social...

Você comete o mesmo erro de análises dos comunistas, supervaloriza a sua teoria...
No caso a visão liberal...
Recomendo atenção, mercado e sociedade nem sempre possui os mesmos interesses...

Último exemplo: As universidades particulares abrem mais curso de ciências sociais/humanas por serem mais barato, a sociedade carece de formação de estudantes da área tecnológica/exatas...
Viu como mercado não é igual a sociedade??
abs

Caio Andrade disse...

Lucas,

Um problema foi provavelmente partir do que acha de mim e não sobre o que eu digo: "Sua crença nas leis de mercado chegam a beirar a ingenuidade". Isso demonstra uma visão caricata que por ora inverte a sua acusação de ingenuidade. Eu não demonstrei nenhuma crença ingênua, não acredito que as leis do mercado corrigem qualquer problema, como você parece pensar.

Dei um conceito do que são interesses de mercado: "são determinados por um conjunto de demandas da própria sociedade". O mercado então é o conjunto de relações de troca entre indivíduos, e esses laços de troca os levam a cooperar em nome do bem estar comum. Note agora que isso é a base fundante da PRÓPRIA sociedade, o que cria um vínculo quase que sinonímico entre os dois. Exemplo: foi nas relações mais primitivas de troca que se organizaram as primeiras sociedade. Na determinação do homem como caçador por seu porte físico, e da mulher como responsável pelo lar por sua natural condição de provedora.

Mas eu não vou ficar aqui tentando adivinhar o que você entende por mercado. Como uma discussão parte da necessidade de um objeto comum, explique-me conceitualmente o que é mercado e por que ele abre margem para as distorções que você apresentou. Pois pelo conceito atualmente em cena, suas demonstrações de como o mercado não atende as necessidades da sociedade são apenas flagrantes de incoerência.

i`m bored disse...

Caro Caio,

Demonstre onde há incoerência nos exemplos que citei e lhe direi o meu conceito de mercado...
"Conjunto de demandas da própria sociedade" (mas, não todas as demandas)
"O mercado então é o conjunto de relações de troca entre indivíduos, e esses laços de troca os levam a cooperar em nome do bem estar comum."

(quer dizer que o mercado sempre opera visando o bem estar comum?)...

abraços