quarta-feira, 12 de março de 2008
Diogo, O Terrível
Em fevereiro deste ano, o português João Pereira Coutinho (não conhece? clique aqui e aqui) entrevistou O Colunista da Veja, Diogo Mainardi. Com o humor que lhes é característico, os dois falaram de Lula, Europa, Literatura e, especialmente, da aversão que os brasileiros, em geral, os brasileiros políticos, têm do jornalismo crítico, aguerrido e vigilante. Para não me estender muito, essa aversão, comum nos centros universitários, é fruto de uma mentalidade provinciana, pouco democrática, não acostumada com a crítica e não acostumada com aquilo que nós mais deveríamos defender: a liberdade de expressão e de escolha. Enfim, sem mais delongas, a entrevista.
É um dos meus desportos favoritos: chegar ao Brasil e falar, em tom blasé, de Diogo Mainardi. "Você leu a coluna dele na Veja? Muito boa", digo eu. O meu interlocutor cai num silêncio sepulcral. As veias do pescoço vão inchando como em certos filmes de vampirismo. O sangue concentra-se todo na cabeça. Os olhos, vermelhos e irados, saem das órbitas. A boca espuma. Os queixos tremem. Alguns levam a mão ao braço esquerdo e pedem uma ambulância. Deus do céu, eu já perdi a conta dos infartos, ou das ameaças de infarto, que a minha perversidade provocou em São Paulo e no Rio. Diogo Mainardi não é um colunista. É uma assombração.
Curioso. Irônico. Paradoxal. As mesmas pessoas que desmaiam na minha frente com o nome de Mainardi não desmaiam com uma elite política corrupta que usa dinheiro público tradução: dinheiro dos brasileiros para suas negociatas. O mal não está em quem rouba. Está naqueles que denunciam o roubo. Em condições normais, um país estaria grato aos jornalistas que vigiam e criticam o poder. Mas o Brasil não é um país normal. Aliás, Portugal também não é e pressinto aqui uma cultura histórica comum: quando um colunista abre a boca para criticar o governo, ele não critica o governo. Ele é um demente, um invejoso, um fracassado. E, em caso de discórdia, os leitores, para não falar dos colegas de ofício, não estão dispostos a contra-argumentar. Mas a censurar. O ideal não é discutir. É silenciar. Na impossibilidade de fuzilar. Curiosas mentalidades.
Às vezes pergunto se vale a pena continuar. Como Diogo Mainardi pergunta em seu último livro, "Lula é Minha Anta" (Record, 240 págs.), relato da sua odisséia anti-lulista. No livro, conta Mainardi que dedicou cerca de 5 mil horas a Lula (antes do mensalão começar). Cinco mil. Uma vida. Uma barbaridade. E quando o colunista acredita que finalmente se libertou do presidente, o mensalão estoura e Lula, como nos filmes de Coppola, volta a arrastá-lo para a velha dança. Mais 5 mil horas. Mais dez. Mais quinze.
Eu não me perdoaria. Sério. Nas milhares de horas que Mainardi perdeu com Lula, teria sido possível ler todo o Balzac, todo o Flaubert. Mas também teria sido possível viajar. Dormir. Namorar. Vadiar. Milhares horas com Lula e o PT não inspiram indignação. Inspiram compaixão.
Compaixão e irrisão. Várias vezes disse a Diogo Mainardi que ele deveria regressar à ficção. Basta ler os quatro livros publicados até ao momento ("Malthus", "Arquipélago", "Polígono das Secas", "Contra o Brasil") para entender o lugar singular do autor na prosa brasileira contemporânea. Ao resgatar a tradição satírica européia para a língua lusa, Mainardi faz o que Millôr Fernandes e Ivan Lessa fizeram antes dele: limpa o pó à gramática e confere uma vitalidade ao texto que é mortal para denunciar o ridículo da condição humana. Mas a resposta dele é sempre a mesma: "E quem paga as minhas contas?" Na conversa que tivemos, e que reproduzo embaixo, a pergunta é repetida. A resposta também.
Erro meu. "Lula é Minha Anta" não é apenas o resumo da batalha hilária de Diogo Mainardi para derrubar Lula. É também o retrato político de um país que ganha contornos grotescos, muito acima de qualquer ficção: na política, no jornalismo, no mundo empresarial; e nas relações promíscuas e até mafiosas que se instalam entre esses vários mundos. E, quando assim é, não existe grande espaço para prosa imaginativa. Seria inútil. Redundante. Em Inglaterra, onde a vida é previsível e civilizada (ou previsível porque civilizada), o "non sense" transferiu-se da vida para a literatura. De Jonathan Swift a Laurence Sterne, de Evelyn Waugh e Kingsley Amis, a sátira é abundante porque funciona como contraste. Mas quando a realidade já é surreal, é a realidade que se transforma em ficção. Quem precisa de livros quando basta olhar pela janela?
Mainardi olhou pela janela. Descreveu a paisagem. Mas falhou no essencial: em 2006, Lula era reeleito, ou seja, "absolvido pelas urnas", como dizem seus acólitos. Num dos melhores textos do livro, Mainardi compara-se ao Coiote do desenho animado, que persegue obsessivamente o Papa-Léguas para ser derrotado no final. Uma pena? Para o Brasil, com certeza. Para os leitores, longe disso. "Lula é Minha Anta" ficará como testemunho de uma época e exercício literário pleno de violência sarcástica. E, além disso, ninguém assiste ao desenho animado para ver o Papa-Léguas.
Quer ler a entrevista? Clique aqui
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